Botox para enxaqueca. Funciona?

Em reportagem publicada recentemente pelo jornal Estado de Minas, o jornalista discorre sobre a utilização do Botox no tratamento da enxaqueca. Parabenizo ao veículo por abordar o tema, de extrema relevância principalmente a quem sofre desse mal. Entretanto, alguns aspectos precisam ser devidamente esclarecidos.

Primeiramente gostaria de esclarecer que nem toda dor de cabeça é enxaqueca. Existem 153 tipos de dor e a enxaqueca ou migrânea é apenas um destes. O diagnóstico da enxaqueca é clínico e muito bem estabelecido de acordo com critérios da IHS (International Headache Society). Não existe enxaqueca frontal, enxaqueca temporal e enxaqueca occipital. Uma característica da doença é a mudança de local. A dor, por critério, deve ser hemicraniana isto é de um lado da cabeça. Pode haver predominância e geralmente há, de um lado sobre o outro. O uso da toxina botulínica vem sendo estudado em várias partes do mundo desde 1997, porém muitos trabalhos não tiveram êxito porque tentavam bloquear apenas alguns músculos bem como utilizavam apenas quantidades limitadas da toxina.

O estudo de maior importância científica foi realizado nos Estados Unidos e obteve resultados muito positivos. O tratamento foi aprovado em alguns países da Europa e também pelo FDA – órgão americano que corresponde à ANVISA, no Brasil. Em nosso país, médicos e pacientes ainda aguardam a liberação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para a utilização do Botox no tratamento de alguns casos específicos da doença, como pacientes com diagnóstico de enxaqueca com mais de 15 ocorrências de dor por mês (enxaqueca crônica)- estudo brasileiro mostra que até 6,9 % da população possuem estas características.

O procedimento realizado em Pernambuco e descrito na reportagem não encontra respaldo na literatura médica. De acordo com o jornal, o método utiliza a toxina botulínica para entorpecer o nervo ou o músculo a ser retirado, mas a enxaqueca não tem origem em um músculo que irrita o nervo. Isso sim é que deve ser questionado, e não a técnica de utilização do Botox no tratamento da doença. A enxaqueca tem componentes periféricos e centrais. O que foi divulgado cientificamente é um artigo publicado na Neurology – mais importante publicação da área médica mundial especializada em neurologia. São os resultados do estudo denominado PREEMPT. O que este estudo demonstrou é que o Botox tem respostas positivas no tratamento de pacientes com enxaqueca crônica. Porém, não há evidências em outros tipos de cefaleias, inclusive a enxaqueca episódica. De acordo com o estudo, houve melhora dos pacientes quanto à intensidade da dor, número de dias com cefaleia e qualidade de vida. Em relação aos efeitos colaterais, o estudo mostrou que cerca de 3% dos pacientes citaram algum efeito adverso. Somente para fins de comparação as drogas clássicas utilizadas profilaticamente no tratamento da enxaqueca tem cerca de 12,7 % de queixas de efeitos adversos por parte dos pacientes.

Na minha opinião, com a concordância de vários outros neurologistas, especialistas em cefaliatria, há casos selecionados em que o Botox pode ser mais uma opção de tratamento. A droga nunca deve ser usada como primeira escolha; isto é, em pacientes não submetidos previamente a outras formas de tratamento. O uso do Botox apresenta efeito estatisticamente comprovado, seguro e viável, mas precisa ser feito por profissionais com experiência na área, visto que o diagnóstico é específico e o procedimento, individualizado para cada caso.